Nas últimas décadas as condições de pobreza e de acesso desigual aos recursos financeiros da sociedade têm submetido largas parcelas da população à exclusão financeira, e esse tipo de exclusão configura uma forma de cidadania negada que pode impedir as pessoas de realizarem uma contribuição econômica à sociedade.
Segundo os dados do GLOBAL FINDEX (2014), mais da metade dos adultos em 46% dos domicílios mais pobres nos países em desenvolvimento ainda não dispõem de contas bancárias em 2014. E o hiato de gênero na titularidade de contas bancárias não está diminuindo significativamente: em 2011 47% das mulheres e 57% dos homens tinham conta bancária; em 2014 58% das mulheres tinham essa conta, em comparação com 65% dos homens.
Diante desse contexto, desde o final do século XX, houve um forte surgimento de estudos e conceitos em torno das organizações de ação coletiva, distintas do setor mercantil e do setor público, entre elas, organizações da economia social, economia solidária empreendimentos solidários, terceiro setor, entre outras. Esses debates nos convidam a ir além de uma concepção da economia baseada em uma dicotomia Estado-Mercado e reconhecer sua pluralidade e complexidade.
Nesse trabalho propõe-se estabelecer um diálogo entre as análises das finanças éticas e solidárias através das experiências de Bancos Comunitários no Brasil e Bancos Éticos na Europa e as obras que analisam os bens comuns e o campo da economia plural, especialmente, através dos trabalhos de Karl Polanyi (1980); Ostrom (2000 [1990]; 2010); Hess e Ostrom (2007); Laval e Dardot (2014); Laville (2015); Mattei (2011); Hardt e Negri (2011) .
Os ângulos de estudo proposto consiste em analisar as condições em que iniciativas de ação coletiva no sistema financeiro governam recursos e promovem o acesso a serviços e relação entre conhecimentos sobre governança coletiva de bens comuns e solução de problemas nos serviços financeiros.
O presente trabalho é estruturado por esses objetivos de diálogo apontando o seguinte problema: Em que condições os bancos comunitários no Brasil e os bancos éticos na Europa podem governar recursos suficientemente adequados para prover acesso aos serviços financeiros para os seus usuários?
Trata-se de uma investigação eminentemente qualitativa, em virtude da própria natureza do problema de pesquisa, busca-se um método de abordar o problema que reconheça o diálogo entre as evidências e as ideias (Ragin, 1987), assim entende-se que a análise comparativa qualitativa, através de múltiplos casos em escala internacional (Yin, 2001), estudando o fenômeno em seu próprio contexto, parece razoavelmente adequada.
Os Bancos éticos e comunitários constituem uma modalidade de finanças entendidas como “serviços financeiros dirigidos às unidades econômicas de pequena escala, levados a cabo por meio de uma multiplicidade de arranjos institucionais, baseados em relações de proximidade e utilizando mecanismos inovadores para atingir altas taxas de devolução e dar suporte ao manejo da liquidez e dos riscos das unidades socioeconômicas atendidas, estabelecendo relações duradouras baseadas, porém, em atividades de curto prazo” (MUÑOZ, 2007).
Em face à crença de que as soluções para os problemas de alocação de recursos sociais, econômicos e ambientais só podem ser solucionados pela ação governamental ou através da competência do mercado, Ostrom (1990) demonstra que os humanos são capazes de se auto-organizar e de criar iniciativas de cooperação que podem sobreviver por longos períodos.
A sua abordagem contribui para o compreensão de uma pluralidade de formas institucionais, sintonizada com Laville (2009), em que afirma um indispensável reconhecimento de instituições capazes de assegurar uma pluralização da economia para situá-la em um quadro democrático.
O princípio político do comum identifica o sentido dos movimentos, lutas e discursos que, nesses últimos anos, vem se opondo a racionalidade neoliberal quase em todo o mundo [...] a racionalidade política dos comuns, confere o sentido de buscas coletivas por novas formas democráticas (Laval e Dardot, 2014).
Referências
FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de; SILVA JR, Jeová Torres. Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCD). In CATTANI, Antonio David et al. Dicionário Internacional da Outra Economia: Edições Almedina, 2009, p. 31-37.
POLANYI, Karl. A Grande Transformação - as origens de nossa época. Rio de Janeiro, Editora Campus Ltda, 1980. Tradução de Fanny Wrobel
LAVILLE, J.-L. Economia Plural. In: HESPANHA, Pedro [et ali.]. Dicionário Internacional da outra economia. Coimbra: Almedina, 2009, p. 145-149.
LAVAL, Christian e DARDOT, Pierre: Común. Ensayo sobre la revolución en el siglo XXI. Gedisa, 665 pp (2014).
LEAL, Leonardo Prates, ALMEIDA, Suzanny Carla S. Incubação de Iniciativas de Finanças Solidárias: Perspectivas da GestãoColetiva dos Bens Comuns no Banco Comunitário Olhos D’água em Igaci, Alagoas. Revista NAU Social - v.7, n.12, p. 143-162 Maio/Out, 2016.
OSTROM, Elinor: El Gobierno de los Bienes Comunes: La Evolución de las Instituciones de Acción colectiva. México: Universidad Nacional Autónoma de México. 2000 [1990].
RAGIN, C. C. The Comparative Method: moving beyond Qualitative and Quantitative Strategies. Berkeley: University of California Press, 1987.
7. Informal sector, popular economy, microfinance and development