O artigo analisa os desafios experimentados pela Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) na promoção da ressocialização e/ou reintegração à sociedade de indivíduos condenados ao cumprimento de pena no sistema judiciário brasileiro. As APACs formam uma rede de associações denominada Fraternidade Brasileira de Proteção aos Condenados (FBAC), com dezenas de experiências espalhadas pelo território brasileiro. Além disso, podem ser encontradas APACs em vários países tanto da América Latina quanto da Europa e Ásia.
Trata-sede uma associação da sociedade civil criada no Brasil na década de 1970, com um modelo bastante peculiar de gestão organizacional e estratégias específicas de ressocialização de indivíduos no cumprimento de penas, cujos resultados são bastante expressivos,sobretudo quando comparados ao sistema tradicional de prisões e cumprimento de penas existente no Brasil e em vários outros países.Mais de 80% dos condenados que estão inseridos nas APACs não reincidem no crime, enquanto no sistema prisional brasileiro, administrado pelo Estado, a taxa de reincidência ultrapassa 90%. Outro aspecto relevante do modelo APAC é a autogestão dos estabelecimentos pelos próprios condenados, o que reduz o custo per capita em menos de um terço do custo de manutenção per capita das grandes prisões brasileiras. No entanto, o aspecto central da abordagem desenvolvida pelas APACs é o pressuposto de “que nenhum condenado é irrecuperável”, apoiando as atividades da associação na promoção dos direitos humanos.
As experiências mundias de encarceramento e ressocialização de condenados são alvo de longa tradição de estudos e intensos debates sobre a promoção dos direitos humanos e os resultados alcançados. Ao contrário de vários outros países do mundo, como Reino Unido e Estados Unidos da América, que têm sistematicamente buscado reduzir sua população carcerária, o contexto brasileiro é marcado pela expansão do número de indivíduos encarcerados em prisões que atentam para a garantia dos direitos básicos de cidadania. Paralelamente a isso, a crescente incidência de crimes e sua divulgação pela grande mídia ter ajudado a disseminar no contexto brasileiro um discurso de “endurecimento” no combate ao crime e no tratamento dado aos indivíduos que comprem pena no sistema prisional brasileiro.
Na contramão dessa tendência, as APACs baseiam-se na chamada “prisão sem chaves” (a gestão da portaria e das celas são feitas pelos próprios indivíduos cumprindo pena nessas associações), no reduzido número de presos por cela e por unidade prisional, pela alocação em cidades de pequeno e médio porte do Brasil e por várias atividades produtivas auto-gerenciadas, em um sistema próximo ao das Empresas Sociais, para obtenção de recursos para manutenção das APACs e como estratégia para ressocialização dos indivíduos em cumprimento de pena. Infelizmente, em prisões do sistema regular brasileiro, espaços destinados a 10 presos chegam a abrigar 50 condenados dentro de unidades prisionais de grande porte e marcadas por uma trajetória de massacres e rebeliões, gerando resistência à sua expansão para outras cidades do Brasil.
Porém,os resultados exitosos obtidos pelas APACs e sua difusão pelo território brasileiro e mesmo para outros países aparecem ao lado de vários problemas e desafios em diferentes dimensões dessa federação de organizações da sociedade civil. A presente pesquisa analisa esses desafios no que tange às relações com o governo brasileiro, seja o sistema judiciário ou os órgãos policiais, à organização da federação de associações e sua articulação com outros movimentos sociais que defendem direitos humanos, à estruturação interna dessas associações e suas estratégias para autogestão e quanto à própria relação entre indivíduos em cumprimento de penas nas APACs, suas respectivas famílias e os gestores dessas associações.
Foi realizada uma pesquisa qualitativa, com caráter de pesquisa-ação,visto que os pesquisadores atuaram também como consultores para um diagnóstico visando o aprimoramento instituicuonal das APACs, através da FBAC. Além da análise de dados secundários, foram realizadas visitas de campo e entrevistas semi-estruturadas em uma APAC, em Santa Luiza, cidade da região metropolina de Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, Brasil.
Como base teórica da pesquisa são mobilizadas discussões sobre a relação entre sociedade civil e Estado, seja na provisão de políticas públicas, seja na defesa de direitos e/ou ampliação da cidadania (Boaventura de Sousa Santos, Jurgen Habermas, Leonardo Avritzer e Adrian Gurza Lavalle), sobre a articulação de movimentos sociais e organizações da sociedade civil (Mário Aquino Alves,Sílvia Ferreira e Annette Ziemmer) e sobre a gestão de empreendimentos autogestionários (Sílvia Ferreira, Jean-LouisLaville e Luiz Inácio Gaiger).
9. Social and solidarity economy, civil society and social movements