O lugar da tradição nas práticas de economia solidária no Brasil
Abstract
O texto parte de um estudo qualitativo, realizado com base na metodologia sociopoética e teoricamente apoiado na sociologia de Boaventura Santos, especialmente a sociologia das ausências e emergências e a perspectiva das... [ view full abstract ]
O texto parte de um estudo qualitativo, realizado com base na metodologia sociopoética e teoricamente apoiado na sociologia de Boaventura Santos, especialmente a sociologia das ausências e emergências e a perspectiva das epistemologias do Sul. A proposta deriva da análise de corpora de dados – textuais e imagéticos - produzidos no âmbito do estudo intitulado “Em busca das epistemologias do Sul: saberes sobre a vida coletiva entre grupos ‘subalternos’”. Também foram utilizadas técnicas etnográficas como observação participante, entrevistas e diário de campo.
O objeto do estudo são os saberes e as práticas sócio-econômicas produzidas em contextos de comunidades tradicionais, como quilombolas, indígenas, pescadores artesanais e comunidades ribeirinhas. Os saberes envolvem visões de mundo que abrangem expressões identitárias e sócio culturais desses sujeitos; as práticas econômicas, pertencentes às culturas locais, são geralmente ligadas ao extrativismo ou ao artesanato e arte étnica.
Em países do Sul – este entendido como metáfora do sofrimento e silenciamento provocado pelo colonialismo, ou como um Sul epistêmico e simbólico (SANTOS E MENESES, 2009) – as práticas autóctones representaram um veio de produção de solidariedade na vida econômica. Comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas, por exemplo, integram atualmente redes de economia solidária, embora sempre tenham praticado o solidarismo econômico e a produção e consumo sustentáveis em seus modos de vida, mesmo antes da formação dessas redes. Tais grupos, bastante diversos na produção de identidades coletivas, se referem a situações sociais peculiares, com forte vínculo territorial.
Esteve presente a perspectiva de valorizar outros sistemas de vida, modos não mercantis e não utilitaristas de existência social, baseadas, sobretudo, em vínculos sociais. É a isso que a pesquisa em economia solidária se propõe, “escavando” presente e passado em busca de práticas alternativas às da ortodoxia econômica e sua obsessão pelo produtivismo (GAIGER, 2016).
Para Toledo (2001), existem mais de 300 milhões de pessoas pertencentes a povos tradicionais, espalhadas pelo globo. Ocupam diversos dos principais biomas do planeta, sendo também chamados de autóctones, minorias étnicas ou territoriais, a depender do critério utilizado. Eles apresentam as seguintes características, em sua maioria (op. cit., p. 453): "(a) são descendentes dos primeiros habitantes de territórios que foram conquistados durante os ‘Descobrimentos’, (b) são povos dos ecossistemas, tais como agricultores, pastores, caçadores, extrativistas, pescadores ou artesãos que adotam uma estratégia multiuso na apropriação da natureza, (c) praticam formas de produção rural de pequena escala e intensiva em trabalho, produzindo pequenos excedentes, apresentando necessidades satisfeitas com reduzida utilização de energia (f) apresentam uma visão de mundo especifica consistindo de uma atitude de proteção e não materialista em sua relação com a terra e os recursos naturais baseada num intercâmbio simbólico com o mundo natural".
A questão do desenvolvimento sustentável dos povos indígenas, por exemplo, é complexa e sensível em toda a América Latina, especialmente diante da hegemonia do agronegócio, que representa o avesso dos sistemas agrícolas tradicionais. Muitas vezes expulsos de suas terras e referências de vida, perderam sua autonomia econômica e referência ancestral, havendo que problematizar os processos de resistência (preservação de sua autonomia cultural), apropriação (capacidade de decisão sobre elementos culturais alheios) e inovação (criação de novos elementos culturais próprios). A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, regulamentada em 2007, não tem dado conta de atender os interesses e necessidades desses grupos (TUXÁ, 2011).
Todos os coletivos trabalhados, a despeito das diferenças, tinham características em comum: precariedades econômicas, diversidades culturais – étnico-raciais, religiosas, ético-estéticas. Por esta razão, decidimos neste trabalho utilizar também a imagem como fonte de informação sociológica e material de análise. O material imagético é sensível, significativo e revelador. O trabalho de análise de amplos corpora de texto e imagem está em andamento e neste paper apresentaremos os registros empíricos, oferecendo uma análise preliminar. Apontamentos significativos já são possíveis: a produção é assentada na unidade familiar, doméstica ou comunal e o território tem importância material, valor simbólico e afetivo.
Referências:
GAIGER, Luiz Inácio. A descoberta dos vínculos sociais: os fundamentos da solidariedade. São Leopoldo: Editora Unisinos, Coleção EcoSol, 2016.
GAUTHIER, J. (org). Uma Pesquisa Sociopoética: o índio, o negro e o branco no imaginário de pesquisadores na área de educação. Florianópolis, UFSC/NUP/CED, 2001.
QUIJANO, A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Buenos Aires, 2005, p.227-278.
SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. (orgs). Epistemologias do Sul. Coimbra, Almedina, 2009.
TOLEDO, Victor M. Povos/comunidades tradicionais e a biodiversidade. In: LEVIN, S. et al., (orgs.) Encyclopedia of Biodiversity. p. 451-463, Academic Press, 2001.
TUXÁ, R. C. de A. Educação escolar indígena como novo paradigma na visão indígena: Experiências, conquistas e desafios. Tellus, n. 20, p. 275-288, 2011.
Authors
- Marilia Veronese (Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS))
Topic Area
9. Social and solidarity economy, civil society and social movements
Session
D11 » Values and culture (09:00 - Wednesday, 5th July, MORE 53)
Paper
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